domingo, 14 de junho de 2015

O Guri das Pandolgas



Buenas Gauchada!
Hoje a lida me deixou na capa da gaita, paisano. Além do cansaço, o mormaço dum vento lasqueado, me sapecou o lombo.
Essa corrente de ar, mais quente que polenta de gringo, anda redemoinhando e esparramando as folhas dos cinamomos em todas as direções, já faz três ou quatro dias que está assoprando e não para de azucrinar o vivente,
Dizem os antigos que, no fim de outubro e início de novembro – em torno do dia de finados – é a única época do ano em que o vento faz redemoinhos. Eu aprendi com a minha querida e inesquecível avó que essas rodas de vento não são nada mais do que o movimento que almas penadas fazem, quando se deslocam, perdidas e desesperadas, procurando os caminhos da luz.
Prá mim o vento, que hoje me deixa com os olhos mais ardidos que boca de burro choro quando come urtiga, me traz muitas recordações. Me faz lembrar de coisas, que apesar do tempo passado, parece que foi ontem que aconteceram.
Ainda sinto a calidez do vento batendo na cara enquanto eu descia a coxilha correndo, com os pés descalços e nas mãos um novelo de piola amarrando uma pandolga.
A montagem do meu “marimba” era feita com canas de taquara, bem sequinha e alisada com um caco de vidro. Eu forrava com papel encerado e bem colorido, que depois de recortado era colado, na armação, com grude feito de farinha de trigo e água quente.
Mas não ficava só nisso, não! A minha pandolga ainda tinha dois roncadores na testeira, flecos nos tirantes do rabo e uma cola de saco de aniagem, rasgado no muque.
- Ô Parcero, essa tua charla me fez lembrá du fio dum estanciero: u guri das pandolga.
De certa feita eu trabaiei numa estância, lá pras banda de Livramento, no distrito de Pampeiro. Lá eu cunheci um guri qui gostava de pandolga.
Pos óia só, tchê! Esse guri fazia as pandolga i guardava num canto iscuro atrás do galpão. Acontece qui a irmã du guri, uma flor de guria, andava se refrestelando, enrabichada cum um gaudério qui andava pur lá.
Um dia u fazendero chegô mais cedo nas casa, entonces u taura cambichero, qui tava de arreganho com a prenda, teve qui pula uma janela.
Anssim, cum as bombacha nus garrão, a guaiaca inrolada nu cogote i ligerito nu más, qui neim cusco lebrero, si infiô na premera porta qui incontrô.
Quem tava lá dentro? U guri. Fazendo uma pandolguita. Quanu u ciscador entrô u piazote, comu quem não qué nada, disse:
- Tá escuro aqui nu galpão, né tchê?
- Mas se tá, tchê!
- Ô seu, qué comprá as minha pandolga?
- Para te quieto, guri. Eu não quero pandolga, cosa nenhuma.
- Intonces eu vô berrá inté meu pai ovi.
- Bueno bostinha, intaum me vende uma.
- Uma naum, sinhor. Eu queru vendê duas.
- U quê, duas?
- Issu mesmo, seu!
- Tá Bueno! I quantu tu qué pur elas?
- Trezentus a azul i quinhentus pila a vermeia.
- U quê?
- É isso o eu berro inté meu pai ovi.
- Tá Bueno, guri fresco! Toma aqui a plata.
Mais tarde, no galpão, enquanto o estanciero mateava.
- Tchê guri! Cum essa ventania toda, amanhã tu vai levantá uma pandolga?
- Não vô podê, pai?
- Pru que não, meu fio?
- Vendi as duas. Uma pur trezentus i a outra pur quinhentus pila.
- U quê!!!! Fío, isso num é venda, é robô i robá é munto feio. Amanhã vô te levá prá falá cum u padre. Tu vai te confessá e pidi perdão pur isso.
Outro dia, chegando na capela da vila…
- Tchê guri!vai lá, entra nu confessionariu i conta tudo pru padre, já!
- Buenas, padre!
- Buenas, guri!
- Tá escuro aqui, né padre?
- ahááá! Guri capeta! Não me vem cum essa lenga-lenga de novo, tchê!

 Fonte! Chasque Charla de Peão desta semana, de Juarez Cesar Fontana de Miranda, escritor e poeta nativista dos pagos de Cidreira (RS), publicado no Jornal Regional do Comércio.

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