domingo, 16 de agosto de 2020

Aureliano de Figueiredo Pinto, por seu filho

Tudo - inclusive o próprio autor - conspirava para que a carreira literária do médico Aureliano de Figueiredo Pinto fosse condenada à sobrevivência em manuscritos caseiros. Contrariando sua vontade, o destino de escritor e poeta se impôs com a força devastadora de quatro obras, das quais três póstumas, na musicalização de versos (especialmente pelo compositor Noel Guarani) e na gravação de poemas por inúmeros declamadores gaúchos.

Quando seu filho José Antônio de 15 anos, programou-se para ler, nas férias, os misteriosos escritos escondidos na biblioteca paterna, um dos seus futuros livros correu o risco premente de extinção. Inesperadamente, Aureliano voltou de uma consulta no interior de Santiago do Boqueirão, e surpreendeu o jovem varão dedicado à leitura do que julgava ser inebriante pornografia elaborada pelo pai nas horas secretas da madrugada. "Pois lhe dou uma coleção completa de Eça de Queiroz e o senhor lendo esta porcaria!", bradou, ordenando que queimassem tudo. O fogo consumiu a primeira folha, mas o restante, sapecado pelas chamas, foi salvo pela esposa, Zila. Tratava-se de "Memórias do Coronel Falcão", só publicado em 1973 pela Editora Movimento, com a página inicial recuperada pela memória do irmão Plínio e do amigo médico Antero Marques, únicos aos quais permitiu ler a obra considerada por críticos como um dos 10 melhores romances gaúchos.

Entre tantos outros, o episódio foi resgatado pelo próprio José Antônio, médico e membro honorário da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina (ASRM) - cuja cadeira número 7, tem Aureliano como patrono. Na semana passada, com o auxílio do médico Darcy Pinto Filho apresentando inusitada live, promovida pela entidade em seu "Encontro de Medicina e Literatura", José Antônio compartilhou com 47 colegas entrevistos em janelas virtuais na tela de computadores, alguns aspectos marcantes da obra de impressionante vigor narrativo e de elevada sensibilidade acerca da vida campeira. Ao concluir o vestibular em 1959, na Capital, José Antônio correu para a Editora Globo e apressou-se a levar ao pai, gravemente enfermo em Santiago, os 10 primeiros exemplares do único livro que viu publicado "Romance de Estância e Querência - Marcas do Tempo". Sem forças sequer para elaborar dedicatórias, ditadas à filha, limitou-se apenas a fixar a assinatura. Morreu três dias depois, em 22 de fevereiro, aos 61 anos, sem conhecer a impressão do imprescindível legado de "Armorial de Estância e Outros Poemas", "Memórias do Coronel Falcão" e "Itinerário - Poemas de Cada Instante".

Fonte! Chasque publicado nas páginas do Jornal do Comércio de Porto Alegre (RS) - "Opinião", pelo jornalista André Simas Pereira, na edição do dia 20 de julho de 2020.

Fonte do retrato! galpão virtual da Academia Sul-Riograndense de Medicina. Abra as porteiras clicando em http://academiademedicinars.com.br/cadeiras/aureliano-de-figueiredo-pinto/

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