Buenas Gauchada! Nestes dias me
pisaram no pala, por isso tenho andado de lombo duro. Acontece que uma chusma
anda esparramando, aos quatro ventos, que o gaúcho já morreu.
Tchê! Mexeram em
um vespeiro. Entonces, lhes peço permisso para fazer a Charla de hoje com essa patuléia.
Está bueno, parceiros?
Como lhes dizia,
eu estava quietito, no meu canto, quando um bando dessa troça veio me dizer que
a minha pilcha representa um tempo retrógado e que, atualmente, não há mais
espaço
para o gaúcho , porque não existe mais a liberdade de antes, que permitia a ele
ser o dono de toda terra; que, anteontem o gaúcho transformara-se em sesmeiro,
ontem em estâncieiro, hoje em chacareiro, posseiro, ocupante e até sem terra.
Que o gaúcho deixou de
existir porque, no lugar das comandâncias da campanha, que outrora se serviam
dele para montar suas hostes guerreiras, hoje, há estruturas legais e
juridicamente bem organizadas; que não mais existe porque agora é impossível
viver como no passado, sem pensar numa maneira formal de trabalho. Em fim, por
que a influência de outras culturas e a convivência com as facilidades que o
progresso impõe, fizeram o gaúcho desaparecer.
Pois admito! Respondendo
àqueles que dão uma importância exagerada para as bombachas, botas, chapéu e outras
formas exteriorizadas de expressão: é verdade que o gaúcho de hoje se veste de
uma maneira menos pitoresca do que seus antepassados, sua vida é menos nômade
do que a dos antigos vaqueanos e, que mesmo seu rancho pode ter o conforto da
tecnologia moderna.
Também é verdade que
tudo isso mudou a vida e que o ginete de hoje não cavalga mais em campos tão
vastos, mas isso não fez o gaúcho desaparecer. Porque ser gaúcho não se
restringe a um limitado pedaço de terra, um rancho de costaneira, uma bombacha,
um chapéu ou um chimarrão.
Ser gaúcho é algo muito
mais profundo: É a encarnação vivente de uma alma campeira e gaudéria, no que
ela tem de sentimental, de cavalheiresca, de bravia e de livre.
Mesmo as correntes
imigratórias de povos – primeiro o hispano por volta de 1627; depois o luso, em
1680; posteriormente o negro, ao redor de 1780; o alemão, em 1824; o italiano,
em 1875; o polonês em 1890; ainda, o árabe em 1895; o judeu em 1903, o japonês
em 1956 e mais recentemente, holandeses, chineses, franceses, ucranianos,
russos, letonianos, ingleses, americanos, suíços, belgas, húngaros, gregos e
suecos – que, em algum momento histórico
para cá acorreram e aportaram em solo gaúcho, quando se miscigenaram com o aborígene, jamais conseguiram
influenciar de forma negativa e nem fizeram tremer as bases da gauchidade.
Muito pelo contrário,
por meio de um fecundo cruzamento com o sangue dessas etnias introjetou-se uma
memória, ontem estrangeira, e que hoje, ainda se encontra galhardamente
conservada e até mesmo instalada no
espirito gauchesco.
Foi do amálgama dessas
raças que originou-se uma figura singular, onde se pode constatar não só
peculiares sobrenomes, mas, também, um leque de semblantes que vai do
indiático, passando pelo pardo e pelo negro, chegando até o branco, loiro e com
os olhos azuis, bem como e sem nenhum sombra de dúvida, fica fácil observar que
em conseqüência dessa produção evolutiva, brotou, então, uma outra massa seminal
, cuja composição serviu para moldar um caráter de excepcional natureza, do
qual a decorrência foi a universalização do gauchismo.
Assim, ergue-se um
outro gaúcho, que não canta menos por não cantar embaixo de um solitário umbu e
nem é menos cavalheiresco e nem é menor a sua hospitalidade, porque esta, não é
mais exercida em um rústico galpão. Também, não é menos ginete porque não
ostenta mais um chiripá e nem é menos intrépido, porque sua honra não está mais
em jogo.
Contudo, este novo gaúcho
nunca foi desertor de sua condição. Ainda carrega consigo princípios já
enraizados com o passar dos tempos e faz questão de honrar os valores de seus
antepassados; cultua o estilo particular de sua linguagem, os cantos e causos
das rodas galponeiras e a peculiaridade estética do trabalho manual,
principalmente, no tecido da lã e no trançado do couro.
Ademais, esse homem,
“de a cavalo”, recebeu como herança dos primitivos povoadores da pampa a mesma
habilidade de dominar o animal; a mesma capacidade de suportar a solidão das
vastidões campesinas e as inclemências do tempo; a mesma disposição de aguentar
qualquer adversidade e de lutar até o último alento.
Confia na palavra dada
- o fio do bigode - e é afeiçoado à liberdade, austero e fiel às suas amizades.
Cultiva, sem cerimônias, mas, com base em um conceito solidificado de cidadania,
seu patriotismo e as tradições do homem de ontem, sem se importar com a sua
roupagem e nem com a mutação de alguns de seus costumes.
Enfim, tem e pratica um
código de honra e uma conduta de vida, que não pode conceber-se sem liberdade e,
ao final, tem algo que é próprio dos seres de exceção: uma forma muito própria
de se manifestar que implica em ética, educação e respeito e, sobretudo, tem
orgulho de ser o que é.
Portanto, são os
gaúchos de hoje, o elo insubstituível de uma só cadeia e, ao mesmo tempo, a síntese
viva de uma só vertente.
Levando-se em
consideração esses argumentos, convém lembrar que, contra fatos não há
argumentos. As cifras são eloquentes e os números, por si só, falam.
O Rio Grande do Sul tem
uma extensão de 281.748 Km² e mais de 11 milhões de habitantes, sendo que 1.700
mil vivem nas zonas rurais.
Somente a pecuária está
presente nos 497 municípios, ocupando, aproximadamente, 12 milhões de hectares
que estão divididos entre as mais de 440 mil propriedades rurais. O Valor Bruto
da Produção – VBP - dessa atividade vem avançando de forma significativa, tanto
que é projetado um aumento real de aproximadamente 3% no ano corrente e só a
produção deste setor da economia, isto é, sem levar em conta o que resulta da
agricultura, totalizou no ano passado, 15,8 bilhões de reais, o que e
representou 5% do PIB estadual.
Ainda, ressalte-se, que
nas lides da pecuária, diariamente, dentro da porteira, mais de 15 milhões de
cabeças que compõem o rebanho bovino; mais de 5 milhões de ovinos e mais de 500
mil equinos – sem falar de bubalinos, caprinos e outros – recebem algum tipo de
atenção de 80 mil homens.
Posto que tudo isso
exista e que seja verdadeiramente produzido por um ser vivente e que a
proclamação de que o gaúcho morreu também seja verdadeira, então como explicar
tal contradição?
Por acaso, o fato de
toda essa real existência será obra de algum fantasma?
Não! Não e não! É incontestável
que não!
Entretanto, num
exercicio de suposição, imaginemos que alguma dúvida ainda persista. Nesse
caso, aceitem o convite para visitar um dos mais de 1.700 CTGs que existem no
estado, além dos outros 1.300 no Brasil e mais de 50 no mundo, além de centenas
de rodeios que são sistematicamente realizados do Uruguai ao Chui e do
Mampituba ao Quaraí.
É bem provável que, em qualquer um deles, se
ouça comentários sobre uma alma penada que aparece na coxilha ou sobre um
lobisomem que se refestela no chiqueiro; sobre o resultado da última carreira,
sobre uma grande partida de jogo do osso ou sobre uma briga de galos; sobre as
rezas de uma velha benzedeira ou até mesmo sobre os beneficios de um bom chá de
maçanilha.
E, se porventura, uma
viola aparecer nas mãos de um andejante campeiro, a roda de parceiros incitar
seus brios e aquecer sua garganta com um talagaço de canha, não tardará em
manifestar-se a alma dos antigos pajadores da campanha, que foram primordialmente
descritos por Domingo Sarmiento, quando em 1845, já dizia na sua obra
Civilização e Barbarie, ao retratar “El Paisano Facundo”: o gaúcho é por natureza
e essência poeta e músico, isto é, duplamente poeta. E se as condições
necessárias para que persistam as outras qualidades de um ginete, desaparecerem
no dia a dia, em função das mudanças nas coxilhas, ainda assim permanecerá o
caráter poético que hoje existe e que, seguramente, continuará existindo a
despeito da passagem dos séculos.
Pois essa mesma
identidade cultural, será encontrada em qualquer galpão de estância. Igualmente
aí, se ouvirá toques de gaita e de violão e engarupados na alma dos ginetes,
virão sons harmoniosos , carregados de altivez, de bravura, de galanteria, de
um arraigado entusiasmo pela liberdade, de um profundo amor por sua china e
pelo seu cavalo e de um intrinseco orgulho pela sua terra.
O mesmo acontecerá se vocês
adentrarem em um dos simples casebres rústicos, os ranchos, de beira de estrada.
Ali, certamente, ouvirão um pajador campesino que, de improviso, faz versos
impregnados de emoção e entremeados de um sentimento rude e delicado, onde cada nota sai do fundo do
peito, cada uma das vibrações resulta do palpitar de uma fibra do cantor e cada
gesto sai empapado do ourgulho de ser, simplesmente, gaúcho.
Por um acaso, se
sentarem à mesa ou se abancarem em volta de um fogo de chão, serão recebidos
com todo o respeito e fidalguia, e a mais sincera hospitalidade se
materializará ao sorverem um despojado chimarrão, em uma despretenciosa roda de
mate.
Logo entenderão como,
embaixo daquele teto rudimentar, bate um coração gaudério e talvez se apercebam
de que nada desaparece e muito menos se extingue, porque, no espírito dos
homens de hoje, ainda habitam os sonhos e as paixões dos seus avós.
Assim, verdadeiramente,
compreenderão que o gaúcho não morreu.
Então, ao cair a tarde,
depois de amainarem a fome com um naco de costela gorda, olhem fixamente para o
lado do sol e verão que o vermelho que ainda arde se fixará por um longo tempo
nas suas retinas e quando partirem, deixando para trás o umbral da porteira,
não se surpreendam se, no meio do corredor, ouvirem um som plangente como cordas
de um violão.
É uma musica! Foi criada
por Arlindo da Silva Santos – O Velho Milongueiro.
Não
se assustem. Atiçem os sentidos, abram os ouvidos e deixem o coração ouvir.
São
só os arames das cercas que margeiam os corredores e que tangidos pela brisa
suave das coxilhas, amadrinham o cantar de uma alma gaúcha.
Quando
vem um temporal, o céu do pago incendeia / O gaúcho bota o poncho e nem o
trovão cabrestreia / Seu chapéu de aba larga, bem pachola, ele tapeia / E ainda
grita, no mas: não ta morto quem peleia. (...)
Fonte! Chasque Charla de Peão da semana passada, por Juarez Cesar Fontana de Miranda, escritor e poeta nativista dos Pagos de Cidreira (RS), publicado no Jornal Regional do Comércio. Contatos: juarezmiranda@bol.com.br
jornaljrcl@terra.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário