sábado, 27 de setembro de 2014

CANHA, MEL E GARUPÁ!

Buenas Gauchada!
Hoje a coisa anda osca, paisano! Tô mais abichornado que touro em dia de castração.
Nestes dias de invernia, enfiado na lida campeira, passei abaixo de água a semana toda e o velho minuano, sem dar trégua, entrando por baixo do poncho. Pois não é que, comigo, a gripe se fez de petiça prá comer milho debulhado e me pealou à meia espalda com a tal da tosse comprida.
Bueno, parceiro, como tu sabes que, quem com cusco se deita, com pulga se levanta, não é verdade?
Como se não bastasse, desde ontem, um calafrio anda me correndo pelo espinhaço, tô até achando que é febre. Se não melhorar até hoje de tardezita, vô dar um pulo na vila e me consultá no postinho de saúde.
- Tchê, Eleutério! Encosta a cambona no fogo de chão, dá uma avivada nas brasas, espicha o laço perto da porta do galpão e estende o poncho prá tirá a umidade.
Hoje, como tô meio esgualepado, tu vai me dá uma mão na rabiça do arado. Primeiro prende o terneiro da Malhada, depois tira o leite e em traz o apojo, que eu vô tomá meu café campeiro aqui no galpão mesmo.
Depois me dá uma atenção, bem caprichada, no Mouro. Limpa e passa uma rastilhada na cama de maravalha, dá um pouco de alfafa prá ele e completa a quarta de milho no bornal. Rasqueteia e escova o pelo e deixa ele na baia. Hoje ele não vai pro campo.
Feito isso, vais ao galinheiro, abre a porta e bota as galinhas no pastejo, junta os ovos e também mistura a ração com um pouco de milho, enquanto eu fico tomando conta do galpão.
- Mas que barbaridade. Tu tá mal, hein, tchê?!
Me mandanu fazê a lida e ficano no galpão, só pode tá pestiado, mesmo.
Si tu quisé, eu te curo dessa tosse cumprida. Pruque tu não toma algum remédio que seja da natureza, inveiz de te intupi cum essas cosa da cidade?
Vamu fazê u siguinte: eu vô te prepará uma canha cum mel e te fazê um chá de garupá. Logito tu fica buenacho uma barbaridade. Que tal?
- Tchê, não te faz de seboso. Tu tá é querendo me dá uma gambeta e fugir do trabalho, mas não vais levar. Antes de fazeres essa mata-bicheira, tu vais me fazer a lida do dia.
- Entonces só vô te insiná a receita da cachaça cum mel i tu mesmo faz. Qui é qui tu acha?
Eu vô prá faina e adespos vô até ali no curicho dus jacu e passo a mão num manojo de garupá e de noite te preparo um cházito, tá bueno, tchê!
- Tá especial, parceiro. Agora me passa a receita do teu remedinho. Quero ver se é verdade que cura mesmo.
- Cuê pucha! Intaum tu vai vê si naum cura. Tu pega um liso, enche até a metade de canha – mas tem que sê daquela ruim. Mas, ruim mesmo, pió qui venenu di cascavé, sabe? – adespos mistura a canha cum umas três o quatro cuierada de mel e manda guela abaxo.
- Só isso Eleutério? E vai passá a tosse, mesmo? Tomo de quanto em quanto tempo?
- Claru qui passa. É só tu repiti as dose toda a veiz qui tu tussi, tchê!
- Ô gaudério, onde entra o garupá?
- Esse chá tu toma de noitezita. É prá baxá a febre i acalmá a chiadera du peitu.
- Ô cuera véio! Onde tu aprendeu isso, tchê?
- A minha bisa, a véia Maruca, fazia eu tomá quanu era guri, lá na campanha, misturado cum leite de égua, Sô! Tamém foi ela qui mi insinô a fazê u tal du chá.
- Terico, – era anssim qui ele mi chamava quanu eu era piá – vê si tu aprende, pruque, quanu tu pricisá tu pega um punhado di foia du garupá i bota drentu da cambona, cum a água já firvida, viu?
Tu naum ferve a água cum u garupá drentu, qui aí naum adianta nada. Tem qui ferve primero i só adespos tu merguia as foia na água qui é pra mode de naum amargá. Tu intendeu, guri?
- Ô bisa! O chá de garupá é munto amargo, bisa?
- Óia só, Terico! Quanu eu trabaiva na cuzinha da Estância do Silêncio, du Coronel Macedo. lá prás banda do Quaraí, uma índia véia, benzedera das boa, já usava esse chá.
Foi essa índia véia qui mi curô da tosse cumprida i, naquela época ela já tratava a tosse da fiarada du patrão, i tamém de toda a pionada, cum um chá de uma erva qui chamava, na língua dela, de caa-iru-pá – qui qué dizê planta da foia amarga.
Mas, entonces, si fizé tudim comu tem qui sê feito, num é amargo, naum, viu meu fio?
- Me parece um bom chá, Eleutério. Pela história que me contaste, tu já tomou, mas, algum dia já fizestes o chá de garupá para alguém?
- Mas báh, tchê! Si usei? I munto, parcero. Lá pela metade dos ano oitenta, eu e o Ormiro nos acostemo numas changa pros lados de São Chico.
Eu fui trabaiá na vigilância da Floresta Nacional – era matero e o meu comparsa, o Ormiro foi sê repolhero na chacra dos Dambroz, no Rincão dos Kroeff, na Vila Cravina.
Nessa olada, muito usei o garupá. Foi quanu nóis conhecemo a tal da neve. Fazia frio de impedrá água de poço. Pois não é que o Ormiro, de tanto senti frio, me pega uma plumonia, dessas de dexá o índio véio com a chincha nas virias.
Como sei que não vô ficá pra semente, mas gosto de andá no mundo, intãum aprendi que quem fica de boca aberta é burro choro quando come urtiga, durante sete dia meti nele cachaça cum mel e chá de garupá.
I naum é qui quaji curei a plumonia do homi, tchê?
Quanu ele tava quase bão, a Ritoca, que andava cambitiando cum ele, disse que ele devia ficá em casa, bem abafado e cum us pé isquentado numa bolsa de água quente.
De noitezita, quando eu cheguei da ronda nus mato, o Ormiro me sai cum essa:
- Eleutério! A Ritoca falô que pra mim sará ligero, tenho que isquentá us pé cum bolsa de água quente. Cumé qui é issu, tchê?
- É muito simple, Ormiro! Tu pega uma bolsa de borracha, dessas que se vende nas farmácia, abre a trasera, infia um funil no buraco dela e enche de água quente. Tá tudo pronto prá botá ela nus pé e ficá quentito, no más.
- Mas óia só, Eleutério, nóis não temo a tal da bolsa de água, cumé que nóis fazemo, já que me parece que esse frio dus diabo vai continuá?
- Dexa cumigo qui eu sô canhoto! Vô lá na Ritoca e pego a gato dela. Tu sabe qui gato de solterona é muito manso, né tchê? Pois eu trago ele prá cá. Tu cuida dele durante todo o dia e de noite bota ele prá dormi nus teu pé. Vai vê como ele te isquenta a noite toda, muito mais mió que a tal bolsa de água quente.
Bueno, tiro dado e bugio deitado. De madrugadita me levantei fui na Ritoca, peguei u gato – imprestado - deixei ele cum u Ormiro e me mandei pro trabaio.
No fim do dia, quando vortei, incontrei o Ormiro cum a cara toda disfigurada e mais lanhada qui lombo de aporreado, embaxo das nazarena.
Mais brabo qui cascavel batendo guizo, sigurando u gato – qui a essa altura tava infiado dentro du canu da bota – sai mi xinganu:
- Ô Eleutério, pega essa bosta de gato i infia ele nu rabo da Ritoca e nu teu, viu?
- Mas como Ormiro véio! U qui aconteceu, tchê? Ele é mui mansinho!

- Mansinho uma ova! Quanu infiei u funil no trasero desse filho duma égua, ele até qui aguentô beim, mas quanu comecei a botá a água quente, aí essa bosta de gato virô uma jaguatirica, tchê!
Fonte! Coluna "Charla de Peão", remetida pelo seu autor, o poeta nativista e escritor Juarez Miranda, dos pagos de Cidreira - RS, no dia 26 de setembro de 2014. Contatos pelos chasques eletrônicos juarezmiranda@bol.com.br e/ou jornaljrcl@terra.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário