quarta-feira, 12 de março de 2014

ENQUANTO A CAMBONA CHIA!


                             Buenas Gauchada!

Acabei de chegar do campo.

Abri a porta do galpão da estância, aliviei do peso das encilhas, amilhei e desembuçalei o Mouro – pingo bueno e companheiro de lida – que, como agradecendo a atenção que eu lhe dedicava, soltou um relincho abagualado e corcoveando de alegria e felicidade, se mandou campo a fora, em direção ao açude enquanto a estrela boieira já apontava no horizonte, alumiando o lombo das dunas.

Dei uma aventada no xergão, uma sacudida nos pelegos, ensarilhei a sela e pendurei as rédeas ao lado da janela que se abre para o laranjal. Afrouxei o papagaio das esporas e saquei as botas rosilhonas, enfiei nos pés as alpargatas desbeiçadas, afastei as cinzas e revirei o borralho para avivar o fogo de chão e um barulhito macanudo me fez tomar tenência que a cambona preta já chiava, encostada num tição de maricá.

Passo a mão no rabo de tatu da cherenga Coqueiro, tiro um naco de charque gordo que foi curtido na sombra do arvoredo, dou-lhe uma picada, em cima de um cepo de tronco de cinamomo, ao mesmo tempo em que frita na banha, derretida numa panela de ferro, o arroz que irá compor o carreteiro.

Enquanto preparo o manjar campeiro, empeço a arranjar o meu ritual gaudério, encilhando no porongo casca grossa, um amargo bem topetudo, que vou sorvendo acamaradado por umas duas ou três talagadas de uma azuladinha – curtida no barril de um alambique lá dos lados de Santo Antonio e acompanhado, quase que inconscientemente, por uma coplita amadrinhada pelo nordestão, que há horas está timblando nos arames do potreiro.

Me faz costado um sapo cururu, que vai-não vai e vai-não vai se refestelar lá no banhado e um grilito, mais cricricri que borracho em galpão de pulperia, solfeja um tango para encantar a amada, E, assim “no más”, dando largas ao pensamento e bombeando na invernada da lembrança, vou cabresteando emoções xucras e campereando recuerdos das tropeadas da vida.

Nesta olada, a noite aragana me empresta o candieeiro da lua para clarear a minha busca, de tal forma que me vejo entreverado na rude lida de campeiro e que venho bandeando a vida como changueiro do tempo tropeiro. Então, repontando esperanças, sinto que gostaria de ter mais comparsas que, se não puderem estar mateando comigo, que “por lo menos” possamos nos dizer: buenos dias, buenas tardes ou buenas noches.

E, quando tivermos a oportunidade de, juntos, sorvermos um amargo, também juntos, iremos colorear nossos ferros de marcar no calor do nosso peito, para que as marcas dos novos companheiros fiquem entreveradas com as já existentes e jamais sejam arrancadas, ficando profundamente encravadas na nossa alma e eternamente engastadas no tronco de angico da existência, como espero que um dia seja a nossa amizade.

Por isso, parceiro, se por acaso leres este chasque e te sentires com vontade de te sentar num cepo e charlar, mateando comigo – e os outros amigos - em volta do fogo de chão, não te fresqueia, tchê, entra que a porta do galpão não tem tramela e te esbalda enquanto a cambona chia....

 Fonte! Coluna Charla de Peão, por Juarez Cesar Fontana Miranda (poeta nativista), publicada no Jornal Regional do Comércio, Cidreira (RS). Contatos com o colunista, mande um chasque para juarezmiranda@bol.com.br 

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