quinta-feira, 8 de maio de 2014

LONQUEANDO COURO PRA TENTO!

Buenas Gauchada!
Esperem um poquito que o Eleutério tá vindo. Enquanto ele não chega se abanquem e entrem na mão do mate.
Como eu ando meio inliado com a lida, o Eleutério tem me feito a parceria no galpão do rancho.
Quando me faz a capatazia, corta lenha, organiza o galpão, recebe os visitantes e, segundo ele mesmo, “prá fazê sala”, quase sempre oferece a minha pinguinha para uma degustação.
- Tchê, Eleutério, tem um mate prá peonada?
- Claro que tem, tchê. Se abanquem no más, vão passando a mão nessa canha bagual que tai enrriba do cepo da lenha enquanto eu aperparo o amargo véio.
Estala a lenha, deixando no ar o cheiro da Guajuvira que o vento deitou na última tormenta e a cambona chia, como que assobiando para o Eleutério, prá avisar que a água tá no ponto de encilhar o mate.
Um porongo quase cheio de erva, uma deitadita para o lado aparando a erva na palma da mão, um pouco da água chiando na cambona preta, a bomba descendo devagarito, com o dedo tapando o bocal e já vem o ronco da cuia, alertando a peonada para que se acheguem na roda do chimarrão.
- Ô cuerada! O mate tá pronto. Se aprochegua, tchê.
É o Eleutério, que arrastando as alpargatas, empurra no borralho do fogo de chão uma meia dúzias de batatas doce, e como um Pagé Crioulo, chama os devotos para o início do mais xucro ritual gaudério: a mateada.
Enquanto a cuia roda, a peonada vai contando a faina da lida, a charla vai se espraiando e a noite, num tranquito modorrento, vai engolindo o dia, então, aproveito e vou dar uma espiada nos chasques que chegaram e que passo prá vocês.
Sob a coordenação do meu amigo Léo Ribeiro, um dos maiores peleadores em prol do gauchismo, acontecerá no dia 30 de agosto de 2014, a Vª Tertúlia Maçônica da Poesia Crioula, evento criado pelo Grupo Tradicionalista Fraternidade Gaúcha.
No Festival, que faz parte da programação oficial da cidade de Porto Alegre, haverá duas categorias: uma para poetas, declamadores e amadrinhadores maçons e outra para participantes não maçons.
Serão classificados cinco poemas para cada categoria, uma não concorrendo com a outra e mais um prêmio especial para o “Melhor Tema Maçônico” que concorrerá, em igualdade de condições, na categoria maçônica.
As poesias, que obrigatóriamente deverão falar dos hábitos, usos e costumes do Povo Gaúcho - exceção ao tema maçônico – terão de ser enviadas até o dia 15 de junho de 2014 para o e-mail: tertuliamaconica@hotmail.com ou via correio, para o seguinte endereço: Rua Gerônimo Coelho, 116 – CEP 90010-240 - Porto Alegre, RS.
Maiores detalhes pelo fone (51) 91245851, ou pelo e-mail: leors.leo@terra.com.br

Sovando Tento prá Trança

Bueno, passo o chasque e vou dar uma mateada. Vejo que o fogo tá reavivado e a prosa animada. Não sei o que falaram antes, mas me chama atenção o reboliço comandado pelo Eleutério:
- Mas bah, vivente, o Alegrete eu conheço como a palma desta mão véia. Fui changuero de tropa. Tropeava, levando gado, prás banda de Livramento. Prum tal de Armour, um matadero de americano.
De certa feita, fiz uma tropeada daquelas. Mais bunita que amor de prima, tchê. Quando voltei, tava com a guaiaca cheia de patacão. Como andava com a goela seca, senti vontade de moía a língua e como não sô santo, nem nada, aproveitei a olada e me mandei pro chinaredo, prá embeiçar uma pinguancha.
Fui prá casa da Chininha, mas como conhecia bem a cuerada que ia cherá catinga, deixei o meu pingo encilhado e amarrado atrás dum capão de mato. Vá que numa precisão eu tivesse que sair, mais ligeiro que correntino fugindo da Gendarmeria, o flete já tava na mão.
Me enfiei salão a dentro. O Negro Beiço manoteava uma oito baixo, rasgando La Cumparsita. A poeira subia e a fumaça fazia escurecê, ainda mais, o lampião a querosene, que mais fedia que alumiava.
Me oitavei no balcão e pedi uma cachaça, purita no más. A maleva desceu rasgando, me fazendo cuspi a poera da estrada. Já chorava uma milonga e vislumbrei, no outro lado do salão, uma morenaça, dessas que só o capeta sabe fazê.
Me enfezei. Fiz uma balaca com o mango, pendurei ele no cabo da cherenga e esfregando o papagaio nas rosetas, sai cantando as esporas até onde tava a chirua.
A prendaça, flor de tropa, aceitou a estribada e num upa eu tava grudado nas ancas de cabrita, sentindo o cheiro de maçanilha nas ventas e o calor do pecado nas tripas.
Assim no más, já saimo, terceando um tango arrabalero. Adespos se grudemo numa vanera. E assim foi: tango, vanera, chamame, milonga, canha, gasosa Gazapina e dele beiço a noite inteira.
O fudunço foi bom uma barbaridade. A noite tinha sido pequena e o dia já se aprochegava. Eu tinha que ir embora, pruque já tinha engatada outra changa e de manhazita eu ia dar uma apartada num gado lá pros lados do Itapororó.
Me bandiei na direção do capão de mato, onde havia deixado, na soga, o meu Rosilho.
- Mas barbaridade, tchê! sabe o que me aconteceu? Me robaram o flete.
Virei um bicho, amuntei num porco espinho e no mesmo pé que vim, voltei pro cabaré.
Meti o pé na porta, saquei do trinta nagão, enchi o teto de chumbo e, mais enfezado que galo garnizé em rinhadeiro de pinto, berrei:
- Quem foi o filho da mãe que me afanou o Rosilho?
Ninguém piava. Só o mosquedo, que zumbindo, quebrava o silêncio.
Entonces eu falei: Vou tomar uma Gazapina e se o meu pingo não estiver lá fora quando eu terminar a cerveja, eu vô fazê aqui nessa espelunca, o mesmo que eu fiz numa outra, lá em Livramento.
Pedi a cerveja e bebi, bem devagarito e a indiada, me olhava meio de soslaio, só na butuca, prá vê o que ia acontecê.
Terminei a cerveja, larguei um catarraço no canto do balcão, passei a sola da bota e saí, na direção da porta.
Quando abri, tava lá o meu Pingaço. Amarradito num galho da figueira, que fazia sombra na frente do redevu.
O Rosilho me reconheceu, deu uma relinchada de boas vindas e eu, fazendo um carinho no cogote do flete, meti o pé no estribo, montei e quando fui dar as rédeas, a veia Chininha, ainda tremendo mais que vara verde, com medo que eu demolisse a sua “Casa de Tolerância”, me pregunta:
- Só prá matá a minha curiosidade, seu Eleutério, quando roubaram o teu cavalo, o que é que tu fêz lá pros lados de Livramento?
- Voltei a pé pras casas, ué ...
Bueno, depois desta do Eleutério, é melhor ficar esperando um chasque de vocês, enquanto vou lonqueando couro prá fazer um tento.
Fonte! Coluna Charla de Peão, por Juarez Cesar Fontana Miranda (poeta nativista), publicada no Jornal Regional do Comércio, dos pagos da cidade litorânea de Cidreira (RS), edição do dia 24 de abril de 2014. Contatos com o colunista, mande um chasque abagualado para juarezmiranda@bol.com.br ou jornaljrcl@terra.com.br. 

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