terça-feira, 11 de novembro de 2014

O Cancheador de Votos



Buenas Gauchada!
Há um poquito no más, cheguei do povo. Fui votar ali na sede do subdistrito, na secção eleitoral na qual estou inscrito.
Dei uma recorrida no campo e como a tardezita já trazia nos tentos a barra da noite, soltei o Moro na aguada, saquei as botas e enfiei o pés nas alpargatas.
Agora reavivando o fogo de chão; encosto a cambona para aquentar a água e ajeito os avios para sorver um amargo, cevado a capricho.
- Ô Eleutério! Prepara uma cachaça com folha de boldo e raiz de jurubeba, porque a bóia que comi - arroz entreverado com carne gorda de carneiro - me deixou com o pandulho estufado.
- A la pucha, só falta me dizê que tu tá cum churrio. Tu foi votá anssim, tchê?
- Assim como? A não ser a peidorreira, o resto tá normal. Mesmo que não estivesse, igualmente, eu iria votar, pois acredito que essa é a oportunidade de exercer plenamente nossa cidadania.
- Mas báh, índio véio, isso é palavrório de candidato, tchê! Tu tá mais afiado qui navaia de barbero. Prontito, intaum, pru sigundo turno?
- Mais que pronto, Eleutério, e no segundo turno, vou votar, levando a minha bandeira enfiada no pescoço.
- Ué, isso é uma nova moda? Qui istória é essa di infiá a bandera nos gargomío.
- Isso é só um jeito de falar. Eu quis dizer que vou votar usando o lenço maragato e ainda vou caprichar na amarração. Vou dar o meu recado fazendo nele o nó republicano, aquele parecido com uma rapadura, parceiro.
- Pos tá bueno. Por falá in lenço, mi disserum qui u custume du gaúcho usá lenço veio dus índio - qui usavum uma vincha na testa – i qui us gaudério copiarum deles essa mania, premero na cabeça, despos nas paleta i adespos no pescoço.
- Olha só, tchê. Essa é uma parte da história, que particularmente não acredito. Prá mim, a versão é outra.
- Intaum vamo aquentá um poco más de água, prá ispichá a prosa. Tu vai te abancanu qui eu vô buscá mais um liso, prá calibrá a charla, qui parece sê macanuda, tchê!.
- Então te agiliza. Já tá ficando tarde e amanhã temos que madrugar, porque a lida campeira não dá folga.
Ainda estou dando uma virada no mate – prá não ficar lavado – quando o Eleutério, com um copo de cachaça na mão e mais esbaforido que vira bosta atravessando o galinheiro, se abanca.
- Agora que temo apreparado, abre a guela e vamo impeçá a lenga-lenga, tchê!
- Bueno, antes da Espanha e Portugal existirem, a Península Ibérica era dividida em pequenos reinos – os feudos – que viviam peleando entre si e buscando um dominar o outro.
Quando os muçulmanos invadiram a região, os feudos se uniram para a reconquista daquele chão, que outrora lhes havia pertencido.
Acontece que cada senhor feudal, para demonstrar que estava só unido, mas não submisso a seu vizinho, criava um estandarte – não bandeira – com o propósito de mostrar sua participação na retomada e para se distinguir dos demais escolhia uma cor, representada num pano que era carregado, pelos súditos, amarrado no pescoço.
Assim, depois das batalhas, quando contavam as baixas, cada soberano ficava sabendo quantos dos seus combatentes tinham morrido.
Para os guerreiros, levar aquele pano colorido como representação daquilo que defendiam era uma grande honra. Depois da terra retomada, usar um lenço, significava que o portador havia sido um combatente heróico, que havia vencido e continuava vivo.
Esse costume instalou-se entre os Íberos, posteriormente portugueses e espanhóis, que por meio das grandes navegações aportaram na América, se instalaram nos campos sulinos e trazendo essa tradição, a repassaram aos gaudérios que habitavam a pampa sul-americana.
- Mas que tal, loco véio? I us maragatu tem qui vê u que cum us lenço?
- Bueno Eleutério, ainda hoje existe um povoamento situado a oeste da província de Léon, na Espanha, que há onze séculos se denomina Terra dos Maragatos.
Seus habitantes descendem de legionários romanos - que usavam a cor vermelho púrpureo, assim como todo o aparato militar romano, para se auto-identificar - que, por mais de cem anos mantiveram um acantonamento militar, com o objetivo de defender o Império Romano.
Essa população, no período da ocupação muçulmana, foi subjugada pelos Mouros e passou a ser denominada de “Mauricatus” – termo latino que significa “feito um mouro”.
Os homens desse povoamento eram reconhecidos como valentes e belicosos, pois se acreditava que traziam a mistura do sangue de guerreiros romanos com o de turcos serracenos e na fase das grandes navegações passaram a ser recrutados para o corpo armado das naus ibéricas, que acabaram aportando por aqui, no período da colonização da América.
Mantendo sua identidade, usos e costumes, instalaram-se em uma região que denominaram de San José de Mayo, hoje província de San José, no Uruguai.
Quando, em 1892, inicia na província Rio-grandense a Revolução Federalista – movimento político, liderado por Gaspar Silveira Martins em oposição à permanência De Julio de Castilhos no governo, por ser ele o representante da política do governo federal – Gumercindo Saraiva, perseguido pelo Castilhismo se exila no Uruguai, no Departamento de San José, onde os rebeldes organizavam suas tropas.
Em 02 de fevereiro de 1893, Gumercindo entra no Rio Grande do Sul liderando uma força armada de quatrocentos homens, onde a maioria dos combatentes era descendeste do Povo Maragato.
Os republicanos, então chamados Pica-paus, buscando aplicar uma identidade "estrangeira" aos federalistas, os apelidam de Maragatos, termo pejorativo que posteriormente se estendeu a todos os simpatizantes da Revolução Federalista de 1893.
Já, na Revolução de 1923, novamente os maragatos rebelam-se, entretanto o apelido perde a conotação depreciativa e assume significado positivo que, com o passar do tempo torna-se aceito, até os dias de hoje.
- Mas aahh, índio véio! Que belezura de história, tchê! Inté é más bunita qui u causo do cancheador de voto.
-Ué, Eleutério! Agora sou eu que te pergunto: que estória é essa do cancheador de voto?
- Bueno, de certa feita, lá na Linha Divisória do pago, eu tava proseanu cum u padre Paulo Aripe, cunhecidu comu Potrilho e ele me contô que se ordeno padre e a pidido do Bispo Dom Felipe de Nadal assumiu uma capelinha no interior duma cumunidade fronteriça.
Nesse povinho - como ele mesmo dizia: eu botei a igreja num galpão e transformei o galpão numa catedral - ele ficô pur quase cincu ano, quanu foi inviado prá assumi uma igreja de maió pristigio numa cidade importante da Frontera Oeste.
Entonces, a Associação cumunitária organizô um festejo prá comemorá a promoção du vigário i, na prosa da dispidida u Padre Paulo, anssim charlava: "A mais profunda impressão que tive dos membros da comunidade a qual esta paróquia pertence, foi com a primeira confissão que ouvi.
Na oportunidade cheguei a pensar que Dom Felipe tinha me enviado para a ante-sala do inferno, pois a primeira pessoa que se confessou me disse que desde guri roubava. Começou roubando bergamota, depois galinha, rádio, televisão, carro e atualmente desviava dinheiro da fazenda da família, além de manter aventuras amorosas com a esposa de um político importante na região e, dependendo da ocasião, também se dedicava ao tráfico de drogas e para concluir, confessou que já não barranqueva mais, mas que já tinha transmitido uma gonorréia à própria irmã”.
"Fiquei assustadíssimo, mas com o passar do tempo, fui conhecendo outras pessoas, que em nada se pareciam com aquele homem... Inclusive vivi a realidade de uma paróquia cheia de gente responsável, com valores, comprometida com sua fé e foi desta maneira que vivi os quase cinco anos mais maravilhosos do meu sacerdócio".
Como era época de inleiçaum, um pulitico da regiaum achô um jeito de discursá na dispidida du padre i já aproveitava a olada prá vê se cancheava uns voto na festa.
Comu u candidatu fazia campanha notra parte da cidade, chegô atrasado i justamente nu fim du palavrório du vigáriu. De imediato impeçô a falá; Pidiu disculpa pelo atraso e imendô: jamais me esquecerei do dia em que este devoto homem de Deus aportou no santo chão da nossa sagrada paróquia.
E como poderia eu esquecer tal dia? Isso jamais poderia acontecer, pois fui eu o abençoado homem que teve a honra de ser o primeiro a se confessar com ele ..."

Fonte! Coluna "Charla de Peão", remetida pelo seu autor, o poeta nativista e escritor Juarez Miranda, dos pagos de Cidreira - RS, no dia 10 de novembro de 2014. Contatos pelos chasques eletrônicos juarezmiranda@bol.com.br e/ou jornaljrcl@terra.com.br

 

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